O impacto do fechamento das escolas pra saúde das crianças.

O Brasil está entre os países com o período mais prolongado de fechamento das escolas. Estamos completando um ano sem educação presencial, mesmo após a compreensão de toda a comunidade científica de que, ao contrário de outras infecções respiratórias virais, a capacidade de transmissão da COVID-19 é muito menor em crianças do que em adultos. Crianças e adolescentes representam apenas 8% dos casos de coronavírus no mundo. Os casos graves pediátricos acontecem em frequência muito baixa (2 a 3%) com mortalidade inferior a 1%. Para as crianças, à exposição ao COVID-19 as coloca em risco muito menor do que à exposição ao vírus influenza. A experiência internacional e a ciência mostram que as escolas não aumentam a transmissão. Por outro lado, os impactos do isolamento social prolongado na saúde e desenvolvimento infantil são imensos e duradouros. Nós pediatras estamos lidando com um aumento nítido de casos de depressão infantil, agressividade, obesidade, transtornos oftalmológicos e distúrbios de sono por excesso de tela, sintomas diversos de ansiedade e, infelizmente, tentativas de suicídio. Crianças que nunca demonstraram ter problemas passaram a ter e, aquelas que já tinham, potencializaram suas fragilidades. Na minha especialidade, a gastroenterologia pediátrica, percebi uma grande demanda de crianças previamente saudáveis que surgiram com sintomas de “dores de barriga” recorrentes e mudanças no padrão das evacuações no último ano, originadas por quadros de ansiedade. Existem vários distúrbios gastrointestinais nas crianças, adolescentes e adultos que têm uma importante influência emocional e ambiental. A falta do ambiente escolar provoca graves danos à saúde física e mental das crianças, especialmente àquelas mais vulneráveis socialmente, exacerbando todas as desigualdades sociais já existentes. Há dados sobre as crescentes taxas de violência doméstica, abusos sexuais e de um aumento nos casos de gestação e abortos na adolescência. Do ponto de vista de conteúdo pedagógico, o abismo entre alunos de escolas privadas e públicas só está se agravando. Escolas abertas vão sim aumentar a circulação de pessoas e de virus (não só o COVID). Mas, com certeza, o impacto é muito menor do que as outras atividades que já foram liberadas como bares, shows e shoppings. A escola é um serviço essencial e manter elas fechadas com todos os outros setores abertos é um equívoco, escancarando uma inversão de prioridades do nosso governo. A grande maioria dos países desenvolvidos colocam a educação como pilar estrutural da sociedade: as escolas são as últimas a fechar e as primeiras a abrir. O que esperar de um país que vê a educação dos jovens como um setor não essencial e secundário diante de todos os outros? O governo deve se empenhar para permitir condições estruturais e sanitárias nas escolas públicas e possibilitar a abertura segura delas, isso é uma pauta urgente e prioritária. Com as medidas de prevenção e protocolos, é possível ter segurança no trabalho dos professores e funcionários. A escola é o lugar de abrigo contra violência e fome da maioria das crianças brasileiras, e não de ameaça à saúde. Quanto maior a vulnerabilidade social e economica do país, maior o papel de proteção e desenvolvimento humano a escola tem. É incoerente que adultos estejam saindo de casa para várias atividades mas sejam contra o retorno das aulas presenciais. É injusto que somente os pais de escolas privadas possam escolher entre o ensino remoto ou presencial. Todas as famílias devem ter os mesmos direitos em relação à educação dos filhos. Estamos no começo de um ano letivo cheio de dilemas para serem enfrentados, mas é de fundamental importância a abertura das escolas. As crianças estão sofrendo muito e as autoridades não podem negligenciar mais a infância. Os efeitos negativos do estresse tóxico e da violência estão cada vez maiores, bem como as sequelas pedagógicas na escolaridade e evasão escolar. Por fim, a educação é uma atividade primordial e impacta não só na saúde das crianças e adolescentes a curto prazo, mas nos índices sociais e economia do país a médio e longo prazo. Foto: Pixabay

Matéria publicada no Cidade Conecta.

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